OS ENCANTOS DE
CIRCE

Circe,
figura legendária da mitologia grega, é retratada como
filha de Hélio, deus-sol e da ninfa Pérsia. Por ter
envenenado seu marido, o rei dos sármatas, que habitava
o Cáucaso, foi obrigada a exilar-se na ilha de Eana,
localizada no litoral oeste da Itália.
O nome da
ilha"Eana", se traduz como "prantear"
e dela emanava uma luz tênue e fúnebre. Esta
luz, identificava Circe, como a "Deusa da
Morte". Era também associada aos vôos mortais dos
falcões, pois assim como estes, ela circundava suas vítimas
para depois enfeitiçá-las.
O grito do falcão é
"circ-circ" e é considerado a canção
mágica de Circe que controla tanto a criação quanto a
dissolução. Sua identificação com os pássaros é
importante, pois eles têm a capacidade de viajar
livremente entre os reinos do céu e da terra,
possuidores dos segredos mais ocultos, mensageiros angélicos
e portadores do espírito e da alma.
Antigos escritores gregos citavam-na como "Circe das
Madeixas Trançadas", pois podia manipular as forças da
criação e destruição através de nós e tranças em seus
cabelos. Como o círculo, ela era também a tecelã dos
destinos.
Circe era considerada a Deusa da Lua Nova, do amor
físico, feitiçaria, encantamentos, sonhos precognitivos,
maldições, vinganças, magia negra, bruxaria, caldeirões.

CIRCE
E ULISSES
No
decurso das suas perambulações, o herói
Ulisses (personagem épico da "Odisséia, de
Homero") e sua tripulação desesperada,
desembarcam na praia da ilha de Eana, onde vivia Circe,
a filha do Sol.
Ao
desembarcar, Ulisses subiu a um morro e, olhando em
torno não viu sinais de habitação, a não ser um ponto no
centro da ilha, onde avistou um palácio rodeado de
árvores.
Ulisses envia à terra 23 homens,
chefiados por Eurícolo, para verificar com que
hospitalidade poderiam contar. Ao se aproximarem do
palácio, os gregos viram-se rodeados de leões, tigres e
lobos, não ferozes mas domados pela arte de Circe, que
era uma poderosa feiticeira. Todos esses animais tinham
sido homens e haviam sido transformados em feras pelos
seus encantamentos.
Do
lado de dentro do palácio vinham os sons de uma música
suave e de uma bela voz de mulher que cantava. Euríloco,
chamou-a em voz alta, e a Deusa apareceu e convidou os
recém-chegados a entrar, o que fizeram, de boa vontade,
exceto Euríloco, que desconfiou do perigo. A Deusa fez
seus convivas se assentarem e serviu-lhes vinho e
iguarias. Quando haviam se divertido à farta, ela lhes
tocou com uma varinha de condão e eles imediatamente se
transformaram em porcos, com "a cabeça, o corpo, a voz e
as cerdas" de porco, embora conservando a inteligência
de homem.
Euríloco apressou-se em voltar ao navio e contar o que
vira. Ulisses, então, resolveu ir ele próprio tentar a
libertação dos companheiros. Enquanto se encaminhava
para o palácio, encontrou-se com um jovem que a ele se
dirigiu familiarmente, mostrando estar a par de suas
aventuras. Revelou que era Mercúrio e informou Ulisses
acerta das artes de Circe e do perigo de aproximar-se
dela. Como Ulisses não desistiu de seu intento, Mercúrio
deu-lhe um broto de uma planta chamada "Moli", dotada de
enorme poder para resistir às bruxarias, e ensinou-lhe o
que deveria fazer.
Ulisses prosseguiu seu caminho e, chegando ao palácio,
foi cortesmente recebido por Circe, que o obsequiou como
fizera com seus companheiros, e, depois que ele havia
comido e bebido, tocou-lhe com sua varinha de condão,
dizendo:
-"Ei!
procura teu chiqueiro e vai espojar com teus amigos".
Em
vez de obedecer, porém, Ulisses desembainhou a espada e
investiu furioso contra a Deusa, que caiu de joelhos,
implorando clemência.
Ulisses ditou-lhe uma fórmula de juramento solene de que
libertaria seus companheiros e não cometeria novas
atrocidades contra eles ou contra o próprio Ulisses.
Circe repetiu o juramento, prometendo, ao mesmo tempo,
deixar que todos partissem são e salvos, depois de os
haver entretido hospitaleiramente.
Cumpriu a palavra. Os homens readquiriram suas formas, o
resto da tripulação foi chamado da praia e todos
magnificamente tratados durante tantos dias, que Ulisses
pareceu haver-se esquecido da pátria e ter-se resignado
àquela inglória vida de ócio e prazer.
Afinal seus companheiros apelaram para os seus
sentimentos mais nobres, e ele recebeu de boa vontade a
censura. Circe ajudou nos preparativos para a partida e
ensinou aos marinheiros o que deveriam fazer para passar
sãos e salvos pela costa da Ilha das Sereias. As sereias
eram ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar
com seu canto todos quantos as ouvissem, de modo que os
infortunados marinheiros sentiam-se irresistivelmente
impelidos a se atirar ao mar onde encontravam a morte.
Circe aconselhou Ulisses a cobrir com cera os ouvidos
dos seus marinheiros, de modo que eles não pudesses
ouvir o canto, e a amarrar-se a si mesmo no mastro dando
instruções a seus homens para não libertá-lo, fosse o
que fosse que ele dissesse ou fizesse, até terem passado
pela Ilha das Sereias.

No
poema "Endimião", do poeta Keats, podemos ter uma idéia
do que se passava no pensamento dos homens que eram
transformados em animais pela feiticeira Circe. Esses
versos abaixo teriam sido ditos por um monarca que tinha
sido transformado em elefante pela Deusa:
"Não lamento a coroa que perdi,
A falange que outrora comandei
E a esposa, ou viúva, que deixei.
Não lamento, saudoso, minha vida.
Filhos e filhas, na mansão querida,
Tudo isso esqueci, as alegrias
Terrenas olvidei dos velhos dias.
Outro desejo vem, muito mais forte.
Só aspiro, só peço a própria morte.
Livrai-me desse corpo abominável.
Libertai-me da vida miserável.
Piedade Circe! Morrer e tão-somente!
Sede, deusa gentil, sede clemente!

A
IMAGEM QUE O HOMEM FAZ DA MULHER
Metaforicamente,
a história de Circe e Ulisses, revela a proporção da
influência dos encantos femininos sobre os homens.
Mostra que quando a mulher se determina a usar todo o
seu potencial sexual, enlouquece a cabeça de um homem e
ele, inconscientemente se transforma em um animal
revelado de acordo com a sua natureza. Portanto, os
homens movidos tão somente por fortes desejos sexuais,
nunca estarão livres de serem explorados por mulheres
que buscam satisfações financeiras e que usarão de
subterfúgios e encantamentos para alcançarem seus
intentos.
Este
lado "feiticeira-prostituta" de todas as mulheres, foi
que levou o regime patriarcal romano à caçá-las como
bruxas. Este ponto de vista "chauvinista",
encontra-se delineado em textos antigos da Bíblia, onde
há a afirmação de que os homens são vítimas
inocentes da influência maldosa e perniciosa feminina.

Hoje em dia, a imagem que o homem faz da mulher, ainda
permanece com essa projeção, embora nem sempre com a
mesma grandiosidade e reverência característica da arte
clássica. Filmes pornográficos e páginas centrais de
revistas populares revelam a imagem interior que os
homens fazem das mulheres. E nós, as mulheres
brasileiras,infelizmente, somos consideradas perante o
mundo inteiro como mulheres lindas, feiticeiras, mas
totalmente prostituídas. Digo isso, porque minha própria
filha, que mora e estuda na Europa, já sofreu muito esse
tipo de preconceito.
E,
todo problema consiste em razão do homem no estágio
cultural atual jamais avançou além da significação
maternal da mulher e essa é a razão para que ele
classifique somente dois tipos de mulheres: sua mãe e as
prostitutas. Conseqüentemente, a prostituição é um dos
principais subprodutos do casamento civilizado.
É
muito comum observarmos um homem falar da mudança no
relacionamento pessoal que ele experimentou com sua
mulher a partir do nascimento dos filhos. A imagem que
ele tinha do feminino, que anteriormente o excitava para
o ato de amor, agora regride ao modelo maternal
estático. Ele se sente preso, muitas vezes sem
vitalidade ou senso de criatividade.
As
taxas crescentes de divórcio no mundo ocidental,
refletem o caminho que alguns homens tomaram para
escapar da dominação da esposa-mãe.

Em
nosso mundo moderno, a imagem da Deusa-feiticeira Circe
está enterrada sob os valores religiosos do patriarcado.
Entretanto, ela ainda vive, e pode ser redescoberta como
a companheira-da-alma por qualquer homem que possua
desejo e a coragem de sacrificar os papéis masculinos
estereotipados e valores coletivos antiquados. Estas são
as ofertas que a mulher-feiticeira sagrada presenteia o
homem no seu templo de amor; lá ela o aguarda, pronta
para iniciá-lo no significado de sua vida e despertar
sua consciência para uma nova sabedoria.

A
JORNADA HERÓICA
A
jornada de um herói sempre é pontuada de diversos
demônios: os demônios da dúvida, da esperança e de um
caminho mais fácil, as seduções da riqueza, do poder e
do hedonismo. Em sua longa viagem de volta para Ítaca
Ulisses teve que resgatar seus homens da Ilha de Eana e
dos encantamentos de Circe que os transformou em porcos.
Todas as tentações faziam com que a tripulação
esquecesse a viagem.
O
herói de nossa história, assim como de muitas outras,
costumam partir para uma aventura no mundo; as vezes a
jornada é interna, quando o herói desce até as
profundezas do inconsciente. Se ele sobreviver a esse
mergulho e, muitos dos que o precederam não o
conseguiram e à batalha com o monstro que estiver
aguardando por ele no fundo, então será capaz de
empreender a subida e ser transformado. Essa
transformação constitui uma experiência de morte e
renascimento. Quem a pessoa foi, como era seu mundo
consciente, não existe mais. Tudo foi transformado.

Embora as aventuras heróicas de nossa memória tribal
possam tomar alguma forma exterior, os mesmos motivos da
convocação, da descida, da luta, do ferimento e do
retorno fazem parte da vida cotidiana de cada pessoa.
Discernir que cada um de nós faz parte de um rico
padrão, e reconhecê-lo no dia-a-dia, é resgatar o
princípio de profundidade.
Cada um de nós, ao nascermos, somos lançados na trama de
um grande drama, no qual talvez estejamos seguindo um
roteiro incerto, mas em que, somos chamados a ser os
protagonistas. O término do texto é certo: todos
morremos. Mas a peça é construída de modo que o
protagonista possa tornar-se consciente e fazer suas
escolhas heróicas.
Todas as histórias de heróis até podem nos inspirar ou
guiar, mas cabe a cada um responder ao seu próprio
chamado, individualizar-se. Como diz a antiga parábola
Zen, "estou procurando o rosto que eu tinha antes de o
mundo ser criado."

ARQUÉTIPO DA
TRANSFORMAÇÃO
O arquétipo
de Circe é, antes de tudo, a figura de uma mulher
independente, consciente de seus desejos e sua
feminilidade. Circe representa o amor, a paixão
irracional e um poder incrível. Ela nos traz à luz da
nossa força interior, que não só representa a
sexualidade, mas também os tesouros do inconsciente.
A
grande mensagem contida no mito Circe para mim, reside
no fato de nos permitir ver e aceitar os desafios que
nossa jornada nos propõe e de assumirmos a
responsabilidade de nossas escolhas. Circe nos encoraja
a fazermos bom uso de nosso poder interior, para
ditarmos o caminho de nosso próprio destino.
Circe
nos diz que:
Depois
da dor, vem o saber
Do
saber, surge o crescimento
O
crescimento nos leva a transformação
Da
transformação emana o poder.

Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

 

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