
A LENDA
DA COBRA-GRANDE ou BOIÚNA

“A
serpente está dentro do Homem, é o intestino. Ela
tenta, trai e pune.” Vitor Hugo
Um dos mitos
do Amazonas, que aparece sob diferentes feições. Ora
como uma cobra preta, ora como uma cobra grande, de
olhos luminosos como dois faróis. Os caboclos anunciam
sua presença nos rios, lagos, igarapés e igapós com a
mesma insistência que os marinheiros e pescadores da
Europa acreditam no monstro de Loch-Ness. A imaginação
amazônica, mais floreada e portentosa, criou para o
nosso mito propriedades fantásticas: a boiuna pode
metamorfosear-se em embarcação de vapor ou vela e ir da
forma de ofídio à navio, para mais trair e desorientar
as suas vítimas. Esta cobra, possui diferentes formas
encantatórias, conformes dados colhidos entre a
população ribeirinha. Acreditam até, que alguns igarapés
foram formados pela sua passagem que abre grandes sulcos
nas restingas, igapós e em terra firme. Na Amazônia, ela
toma diversos nomes: Boiúna, Cobra Grande, Cobra Norato,
Mãe D Água, entre outros, mas independentemente de seu
nome, ela é a Rainha dos rios Amazônicos e suas lendas
podem ter surgido em virtude do medo que provoca a
serpente d água, que devora o gado que mata a sede na
beira dos rios.

A
Cobra-Grande ou a Boiuna, sobe os rios, entra nos
igarapés, devassa os lagos, onde cantam a sua área de
beijos os nenúfares opalizados pela luz do luar,
transformada em majestoso, todo iluminado e fascinante,
que atrai o caboclo extasiado pela sua irradiosa
aparição.
Diz a lenda,
que Waldemar Henrique, em verso e música traduziu, que
uma vez por ano a Boiúna saía de seus domínios para
escolher uma noiva entre as cunhãs da Amazônia. E,
diante daquele enorme vulto prateado de luar que
atravessava vertiginosamente o grande rio, os pajés
rezavam, as redes tremiam, os curumins escondiam-se
chorando, enquanto um imenso delírio de horror rebentava
na mata iluminada...

"Credo! Cruz!
Lá
vem a Cobra Grande
Lá
vem Boiuna de prata...
A
danada vem à beira do rio
E o
vento grita alto no meio da mata!
Credo! Cruz!
Cunhatã ter esconde
Lá
vem a Cobra Grande
á-á...
faz
depressa uma oração
prá
ela não te levar
á-á...
A
floresta tremeu quando ela saiu,
Quem
estava lá perto, de medo fugiu
e a
Boiuna passou tão depressa,
Que
somente um clarão foi que se viu...
A
noiva cunhatã está dormindo medrosa,
Agarrada no punho da rede,
E o
luar faz mortalha em cima dela,
Pela
fresta quebrada da janela..
Eh!
Cobra-Grande
Lá
vai ela!..."

Em mitos e
crenças antigas, era muito comum a afirmação de que as
cobras buscavam as mulheres para engravidá-las e
acreditava-se também, que a partir da primeira
menstruação, as jovens índias virgens estavam
particularmente sujeitas a atraírem "o amor de uma
serpente", por este motivo, elas evitavam de irem ao
mato ou a beira de um rio, quando menstruadas.

A Cobra
Grande ou Boiuna é vista à noite, iluminando os
remansos dos rios com a fosforescência dos seus
olhos constantes. Transforma-se, muitas vezes, em um
veleiro, que apresenta uma luz da vermelha à
bombordo e outra verde à boreste. que confunde os
incautos e desce silenciosamente a torrente dos
igarapés. Aí daquele que se aproximar desta forma
enganosa, pois estará sujeito a ser arrebatado às
profundezas do rio, para nunca mais retornar.
Raul
Bopp, autor de "Cobra Norato", para quem a
literatura do nosso país não tem mistérios, em seu
poema modernista, fala-nos da Cobra Grande:

"Axi
Cumpadre
Arrepare
uma coisa;
Lá vem um
navio
Vem-que-vindo depressa todo aluminado
Parece
feito de prata...
Aquilo
não é navio Cumpadre
Mas os
mastros...e as luises...e o casco doirado?
Aquilo é
a Cobra Grande: Conheço pelo cheiro.
Mas as
velas de pano branco embojadas ao vento?
São
mortalhas de defuntos que eu carreguei: Conheço pelo
cheiro.
E aquela
bujarrona bordada?
São
camisas de noivas da Cobra-Grande: Conheço pelo cheiro.
Eh!
Cumpadre
A visage
vai se sumindo pras bandas de Macapá.
Neste
silêncio de águas assustadas
Parece
que ainda oiço um "aí aí" se quebrando no fundo.
Quem será
desta vez a moça noiva que vai lá dentro soluçando
Encerrada
naquele bojo de prata?"

Segundo
Letícia Falcão, "nos rios Solimões e Negro, a Cobra
Grande nasceu do cruzamento de uma mulher com uma
assombração (visagem), ou de um ovo de mutum; no Acre, a
entidade mítica transforma-se numa linda moça, que
aparece nas festas de São João para seduzir os rapazes
desavisados. Outra lenda diz que uma linda índia
cunhãmporanga, princesa da tribo, ao apaixonar-se pelo
Rio Branco (Roraima), foi transformada numa imensa cobra
chamada Boiúna, pelo enciumado Muiraquitã." Mas também,
segundo esta autora, há uma versão em que transforma a
Cobra Grande como uma "benfeitora na navegação", cujos
olhos iluminados como dois faróis, auxiliam os
navegadores em noites escuras e em meio à tempestades.

A
LENDA DA COBRA NORATO

Em uma
tribo indígena da Amazônia, uma índia fica grávida
de uma Boiuna (do Tupi Mboi, cobra, e Una, prata).
Seus filhos eram gêmeos e vieram ao mundo na forma
de duas serpentes negras. A tapuia então batizou-os
com os nomes de Honorato e Maria.
Os
gêmeos, embora gerados no mesmo ventre, ao serem
jogados no rio e mesmo desenvolvendo-se em condições
semelhantes, acabam desenvolvendo modos diferentes
de conduta. Honorato era Bom, mas sua irmã era muito
perversa. Ela alagava embarcações, matava náufragos,
atacava os pescadores e feria os peixes pequenos,
tais maldosos feitos, levou Honorato à matá-la.
Deste modo, o bem supera o mal e Honorato torna-se
um herói.

Honorato, em algumas noites de luar, perdia o seu
encanto e adquiria a forma humana transformando-se
em um lindo rapaz, que deixava as águas e levava uma
vida normal na terra. Para que se quebrasse este
encanto de Honorato, era preciso que alguém de muita
coragem derramasse leite de mulher na boca da enorme
cobra, e fizesse um ferimento com aço virgem na sua
cabeça até sair sangue. Ninguém tinha tamanha
coragem para enfrentar este enorme monstro. Até que
um dia um soldado de Cametá (município do Pará),
conseguiu libertar Honorato desta maldição.
Honorato, cobra e rapaz, nada mais é do que a
extensão de nós mesmos, em nossa condição de
animais-transcendentais, pois por trás de cada
monstro, sempre há um herói.
Nesta
lenda que relata a metamorfose de Honorato,
visualizamos a metáfora que retrata a vida cotidiana
de um povo ribeirinho, que como homem-cobra, oscila
vivendo em meio a uma terra úmida ou engolido pelas
cheias e correntezas do rio. Terra e Água,
estão na alma, nas lendas, nos mitos e na fé deste
homem. Ser um pouco cobra e um pouco homem, são
símbolos de uma mesma vida...

A LENDA
DA COBRA GRANDE DE SÃO MIGUEL

Esta é uma
lenda sobre a Cobra Grande contada aqui no Rio Grande do
Sul, pois para os menos avisados, entre os mais diversos
povos do mundo, podemos encontrar lendas e mitos que
envolvem diversas espécies de ofídios. Eis mais uma
entre elas:
Quando foi
erguida em pedra a imponente catedral de São Miguel
Arcanjo, o mais belo dos Sete Povos das MIssões, só se
construiu uma das torres, o campanário onde balançava um
sino fundido em São João Batista.

O sino
regulava a vida da aldeia. Todos os compromissos eram
marcados pelas badaladas, desde seis horas da manhã. Mas
o sino tocava também, repicava festivo, em momentos
especiais de alegria, dobrava a finados, se morria
alguém e tocava a rebate, nas ocasiões de perigo. Nestas
ocasiões, as mulheres de São Miguel tinham ordem de
pegar as crianças e se reunirem todas dentro da igreja,
que era um local de pedra, mas capacitado a qualquer
resistência.
Aconteceu
porém, que a Cobra Grande, veio morar na torre de São
Miguel, escondendo-se nos desvãos, galerias e túneis que
existiam. Quando o sino tocava a rebate e a igreja se
enchia de mães e filhos, ela simplesmente engolia uma
criança mais afastada do grupo, enlaçando a vítima com
seus anéis e a comia calmamente nos escuros de sua
morada. E, mesmo quando não havia rebate, ela mesma
laçava o sino com a cola e tocava a vontade, até reunir
as mulheres e as crianças à sua total disposição...

Mas
tendo o "olho maior que a barriga", que de tanto
comer crianças índias, engordou muito e um dia
arrebentou, atirando gordura para tudo quando foi
lado. E foi toda esta gordura que pintou de escura e
tornou mal-cheirosa todas as paredes da galeria da
torre de São Miguel...
Esta
lenda foi contada pela primeira vez por Luiz Carlos
Barbosa Lessa em seu livro "O Boi das Aspas de
Ouro".
Todas as
serpentes tanto de mar como de água doce,
representam as correntes telúricas nefastas à vida,
que são temíveis em suas cóleras, que provocam o
furor dos oceanos e o desencadeamento da tempestade.
A serpente é
feita a imagem das divindades dos oceanos, um ser
arcaico e fundamentalmente inumano. Na cosmogênese
grega, segundo a Teogonia de Hesíodo, ela é o próprio
"Oceano", assim como também, representa o espírito de
todas as águas. Muitos rios da Grécia e da Ásia Menos
têm o nome de Ophis (serpente). Na mitologia grega,
Aquelôo (o maior rio da Antiga Grécia), certa vez se
metamorfoseou em serpente para enfrentar Hércules. E
quem já não ouviu dizer que um rio se serpenteia?

As LENDAS da
Cobra Grande ou Boiuna nos fazem lembrar a luta entre a
vida e a morte, inseparáveis uma da outra...
O mito da
serpente, simboliza a vida que corre como um rio,
espalhando a exuberância e a abundância da mãe-terra,
grávida de energia cósmica, pulsando incessantemente,
alimentando-se da morte para gerar mais vida...
É neste
Brasil onde imergem e emergem lendas e mitos como a
da Cobra Grande, que encontramos formas para
divulgar e valorizar a cultura de nossas almas
brasileiras.

Texto pesquisado e desenvolvido
por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia
consultada
A Amazônia -
Gastão de Bettencourt
A Cobra
Grande - Artigo de Letícia Falcão, encontrado na Revista
Amazon View, Edição n. 28
O Simbolismo
Animal Jean-Paul Ronecker
Os Mistérios
da Mulher - M. Esther Harding
Mitos e
Lendas do Rio Grande do Sul - Antonio Augusto Fagundes
A lenda da
Cobra Grande: discussões sobre imaginário e
realidade.Grace do Socorro Araújo de Almeida Macedo
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